Por mais que hajam escolas com um método pedagógico mais humanista, mais focado na cidadania, a grande massa das escolas públicas e privadas não são assim.
Alunos e professores estão presos à um cronograma, cujo resultado é formar mão-de-obra. Aprender muitos temas num determinado tempo sem levar muito em conta a particularidade de cada um.
No texto a seguir, Rubem Alves questiona as normas rígidas dos sistemas educacionais, a competitividade e propõe que haja mais experimentação, apreciação sobre o que é ensinado nas escolas.
E toma como exemplo os moluscos, que mesmo devagar, eles sempre chegam onde querem.
A Pedagogia dos Caracóis
Os caracóis são moluscos lerdos. Andam muito, muito devagar. Ninguém tomaria os caracóis como exemplo. Embora suas conchas sejam belas e construídas com precisão matemática, o que chama a atenção de quem os observa é sua pachorra.
Caracóis não têm pressa. Falta-lhes dinamismo, virtude essencial àqueles que vivem no mundo moderno. Quem anda devagar fica para trás.
Quem imaginaria que um educador, ao observar um caracol, tivesse uma inspiração pedagógica? Pois foi o que encontrei numa revista italiana que se dedica a pensar os rumos da escola, CEM Mondialità.
A fotografia que ilustra o referido artigo é a de um menino, rosto apoiado na carteira, a observar tranquilamente um caracol que se arrasta sobre a tampa da mesa. E o título do
artigo é “A pedagogia do caracol”. Caracol tem pedagogia a ensinar?
O autor conta o sucedido com uma menininha que, ao voltar para casa, se queixou à
mãe: “Mamãe, os professores dizem: ‘É preciso andar rápido, nada de vagareza,
para frente, para frente! ’Mamãe, onde é a frente?”
E aí ele passa a falar sobre a virtude pedagógica da vagareza. Pode ser que “chegar na frente” não seja tão importante assim! Quem sabe o “estar indo” é mais educativo que o chegar? No “estar indo” aprende-se um jeito de ser.
Nietzsche se ria dos turistas que subiam as montanhas como animais, estúpidos e suados. Não haviam aprendido que há vistas maravilhosas no caminho que sobe.
Riobaldo, do Grande sertão: veredas, concordaria e acrescentaria: “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.
O adágio da Sonata ao luar, de Beethoven, tocado em presto seria um horror. As notas seriam as mesmas. Mas a beleza não se encontra no presto – ela está é na vagareza do adágio.
O autor do artigo aconselha os professores a estar com seus alunos no ritmo do
adágio. Sem pressa. A lentidão é uma virtude a ser aprendida num mundo em
que a vida é obrigada a correr ao ritmo das máquinas.
Gastar tempo conversando com os alunos. Saber sobre sua vida, seus sonhos. Que importa que o programa fique atrasado? A vida é vagarosa. Os processos vitais são vagarosos.
Quando a vida se apressa, é porque algo não vai bem. Adrenalina no sangue, o coração
disparado em fibrilação, diarreia.
Observar as nuvens. Conversar sobre suas formas. A observação das nuvens faz os pensamentos ficarem tranquilos. As notícias dos jornais são escritas depressa. Por isso têm curta duração. Mas a poesia se escreve devagar. Por isso ela não envelhece.
É sempre nova. Inventaram essa monstruosidade chamada leitura dinâmica. O que a leitura dinâmica pressupõe é que um texto é feito com poucas ideias centrais, tudo o mais sendo encheção de linguiça.
A técnica da leitura dinâmica é ir direto às ideias centrais, desprezando o resto como lixo.
Já imaginaram sexo dinâmico, sexo que dispensa os “entretantos” e vai direto
ao “finalmente”? Essa é uma maneira canina de fazer amor.
Mas não é a isso que os jovens são obrigados quando, ao se preparar para o vestibular, se põem a ler “resumos” de obras literárias? O resumo de uma obra literária é o resultado
escrito da leitura dinâmica. É preciso ler tendo a lesma como modelo. Devagar.
Por causa do prazer. O prazer anda devagar. Você leu este texto dinamicamente ou lesmicamente?
Rubem Alves, crônica “A Pedagogia dos Caracóis”, do livro homônimo, Editora Versus, São Paulo, 2011
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