Sociedade e cidadania

Um concurso de redação ajuda a superar a dor da perda, por John Grogan

A “ordem natural” é um filho enterrar seus pais, mas a vida tem seus reveses e pelos mais diversos motivos o contrario acontece.

Assoladas pela dor e desesperança, as famílias não se veem capazes de juntar os caquinhos e recomeçar. Entretanto as mães costumam ter fibra, tem espírito luta dentro de si e de alguma maneira encontra um caminho de superação e mantém de pé a família que restou.

Nesta crônica de John Grogan, uma professora perde seu filho atropelado por uma motorista bêbada e é no seu próprio trabalho que ela encontra uma maneira de lidar com esta dor, além de ajudar outros jovens a serem mais pró-ativos e a superar desafios. Boa leitura.

MÃE MANTÉM VIVA A PAIXÃO

Christine Detwiler, mãe e professora, está diante de um grupo de alunos da North Penn High School tentando explicar por que está colocando dinheiro do próprio bolso como prêmio de um concurso literário.

— Vejam vocês — ela diz a eles. — Meu filho, Ben, também foi aluno desta escola. — E então ela acrescenta, com a voz calma e serena conferida por 13 anos de prática: — Quando morreu, ele era um terceiranista.

Na noite de 26 de outubro de 1991, Ben, então com 16 anos, vinha caminhando ao lado de um amigo pela Route 309, depois de ter saído do shopping de Montgomery em North Wales, onde trabalhava.

A distância era de apenas um quilômetro e os rapazes caminhavam pela grama, mas nada disso fez qualquer diferença. Uma motorista bêbada perdeu a direção e saiu da estrada, matando Ben instantaneamente. Ela foi condenada a três anos de prisão. A vida está repleta dessas pequenas ironias. E uma que irá sempre perseguir a mãe de Ben é o fato de ter decidido que não iria permitir que ele dirigisse até completar 18 anos, imaginando que assim poderia mantê-lo a salvo.

Christine, professora do ensino fundamental no distrito de North Penn, não conta toda a história para os alunos que estão diante dela. Em vez disso, fala a eles sobre o tipo de rapaz que era seu filho — um idealista, um ativista, um pensador, e também um polemista que adorava discutir qualquer assunto.

— Ele também escrevia muito bem — ela diz aos alunos.

Um mundo melhor

E é por isso que, pouco depois de sua morte, procurando uma saída para aquela dor indescritível, ela decidiu criar o Ben Detwiler Writing Contest (Concurso de redação Ben Detwiler)  para os terceiranistas da escola. Ben escrevera uma vez que seu objetivo era fazer do mundo um lugar melhor, e esse é o tema do concurso, agora no 13º ano.

Christine me disse que continua a patrocinar o evento porque é uma forma de manter viva a memória de seu filho — uma maneira de manter-se ligada a ele. “Quero que os jovens continuem a pensar a respeito do seu mundo daquela forma ativa que para Ben não é mais possível.”

Ben, ela diz, foi o tipo de rapaz que navegou pela adolescência fora da tendência predominante. Era pequeno para a sua idade, não tinha um tipo atlético, e na época em que chegou ao colegial estava cultivando um estilo punk-rock, descolorindo o cabelo preto e usando um corte espetado típico de índios americanos. Tinha piercings no nariz, usava jaqueta de couro preto e tocava guitarra numa banda de rock.

Por causa de sua aparência, muitos pais e alunos deduziam que ele era um problema a ser evitado. Em razão da segregação de alguns, ele descobriu muito cedo o que é preconceito e estereótipo. Isso também o levou a uma amizade inesperada com um aliado improvável, o diretor da escola, Juan Baughn, um afro-americano que conhecia muito bem a dor de não fazer parte da maioria.

Os dois passavam muitas horas depois da escola conversando e discutindo — e, como Baughn faz questão de enfatizar, cultivando o respeito um pelo outro.

Uma dor compartilhada

— Ele ficava magoado com a desaprovação — disse Baughn, que é agora superintendente assistente em Washington D.C. — Ficava perplexo com o fato de que as pessoas davam mais importância à sua aparência do que ao seu interior. Houve um momento em que Ben me perguntou: “Dr. Baughn, entende o que quero dizer?”. E eu entendia, como ainda entendo.

O antigo diretor ficou feliz em saber que a mãe de Ben continua com o concurso literário.

— Ele era um garoto pequeno com um grande coração — disse Baughn. — Queria salvar o mundo. E eu dizia a ele que devia salvar sua parte.

É por isso, mais uma vez este ano, um grupo de alunos da North Penn, que eram crianças pequenas quando Ben morreu, irão fazer uma tentativa para captar essa mesma paixão.

Eles irão escrever sobre a guerra e a pobreza e, talvez, sobre a aceitação daqueles que não se parecem com eles.

O vencedor levará para casa uma placa e um cheque. E a mãe, se tiver sorte, poderá captar um lampejo do filho nas palavras desses alunos.

Os colegas de classe de Ben agora são adultos, com carreiras e casamentos, e seus próprios filhos. Eles seguiram sua vida, assim como a mãe de Ben, da melhor maneira que pôde.

Mas uma parte continua presa ao outono daquele ano em que Ben era terceiranista do colegial. É assim que ela continua a vê-lo, como um adolescente vulnerável com um grande coração, à procura do seu lugar no mundo.

— Agora ele estaria com 29 anos — ela diz, com aquela sua voz, com as marcas do tempo amortecendo sua dor de mãe. — Eu tenho um filho que estará sempre com 16 anos.

13 de julho de 2004

John Grogan autor do best seller “Marley & Eu, crônica ” Mãe mantém viva a paixão” do livro  ”Cachorros encrenqueiros se divertem mais”, Ediouro, 2008

Revista Ecos da Paz

Viver em harmonia é possível quando abrimos o coração e a mente para empatia e o amor.

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