Existem pessoas que não se cansam de experimentar o amor. Partem do princípio que se há milhares de opções, porque saborear apenas uma?
Contudo, entre os mais variados beijos e abraços sempre há aquele que se destaca, com gosto de quero mais.
Conheça a história de um homem que viveu intensamente e todos os dias trazia à tona as lembranças e objetos da memória afetiva que o ajudaram a manter o gosto pela vida, até o último minuto. Boa leitura!
O avô
Um homem chamado Amando, nascido numa aldeia que se chama Salitre, no litoral do Equador, me deu de presente a história de seu avô.
Os tataranetos se revezavam no plantão. Na porta, tinham posto corrente e cadeado. Dom Segundo Hidalgo dizia que por isso padecia os ataques:
— Tenho reumatismo de gato castrado — queixava-se.
Aos cem anos completos, Dom Segundo aproveitava qualquer descuido, montava em pêlo e escapava para buscar namoradas por aí. Ninguém entendia tanto de mulheres e de cavalos.
Ele tinha povoado esta aldeia de Salitre, e a comarca, e a região, desde que foi pai pela primeira vez, aos treze anos.
O avô confessava trezentas mulheres, embora todo mundo soubesse que eram mais de quatrocentas. Mas uma, uma que se chamava Blanquita, tinha sido a mais mulher de todas.
Fazia trinta anos que Blanquita tinha morrido, e ele ainda a convocava na hora do crepúsculo. Amando, o neto, o que me deu esta história de presente, escondia-se e espiava a cerimônia secreta.
Na varanda, iluminado pela última luz, o avô abria uma caixinha de pó-de-arroz de outros tempos, uma caixa redonda, daquelas com anjinhos rosados na tampa, e levava o algodão ao nariz:
— Acho que te conheço — murmurava, aspirando o leve perfume daquele pó-de arroz —. Acho que te conheço.
E balançava-se muito suavemente, murmurando na cadeira de balanço.
No pôr-do-sol de cada dia, o avô prestava sua homenagem à mais amada. E uma vez por semana, a traía. Era infiel com uma gorda que cozinhava receitas complicadíssimas na televisão.
O avô, dono do primeiro e único televisor na aldeia de Salitre, não perdia nunca esse programa.
Tomava banho e fazia a barba e vestia-se de branco, vestia-se como para uma festa, o melhor chapéu, as botinas de verniz, o colete de botões dourados, a gravata de seda, e sentava-se grudado na tela.
Enquanto a gorda batia seus cremes e erguia a colher, explicando os segredos de algum sabor único, exclusivo, incomparável, o avô piscava o olho e atirava beijos furtivos.
A caderneta de poupança aparecia no bolso do paletó. O avô punha a caderneta assim, insinuada, como que por distração, para que a gorda visse que ele não era um pé-rapado qualquer.
Eduardo Galeano, “O avô” no livro “O Livro dos Abraços”. Editora L&PM, 2015
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