Da mesma forma que existem os serial killers, que executam as mesmas ações em vítimas de um mesmo padrão, Fabrício Carpinejar nos revela os “Serial Lovers”.
Estas pessoas não matam terceiros, mas si mesmos. Esperam resultados diferentes agindo da mesma forma. Viciam-se em padrões de infelicidade.
Enxergam e sentem o amor como aquele ratinho que corre na rodinha sem sair do lugar, talvez por medo da aventura. São obsecadas pela mesmice.
Na vida, encarar as mudanças de script é ter coragem, assim como se permitir renovar com novos amores.
SERIAL LOVER
Existe uma infidelidade mais secreta e menos evidente, que acontece depois do relacionamento. Só acontece depois. É uma traição póstuma, retardatária, residual.
É quando você repete os mesmos lugares, os mesmos apelos, as mesmas confidências com outro. É quando você insiste em escrever e tecer declarações exatamente iguais.
É uma extorsão sentimental colocar um desejo para sua nova companhia como se fosse inédito. Pois a paixão só é idêntica para quem não enxerga as diferenças. É como remanejar presentes, aproveitar alianças antigas.
Você prova que não tem criatividade nenhuma, demonstra a maior apatia: refaz os passeios que já realizou, leva para os restaurantes que frequentava, as baladas e festas conhecidas, reincide nos roteiros de viagem, destina sonhos e palavras já gastos, reemprega até os nomes aprovados para quando nascessem seus filhos.
Mudou a pessoa, mas não o seu jeito de seduzir. Mudou a pessoa, mas não sua rotina de amar. Mudou a pessoa, mas não seu script. É uma melancólica sobreposição, desastrada colagem.
Nem precisa cometer o ato falho de trocar o nome do atual pelo ex, porque estará revisitando atmosferas e cenários. Experimenta locações contaminadas por juras velhas.
Não há sensação mais ingrata para seu namorado anterior ao perceber que era mais um. Um qualquer, nem um pouco especial. Um sósia de cenas românticas. Um dublê da adrenalina e dos feromônios.
Você oferece um passado usado sob o disfarce de futuro. Alcança aquilo que foi ensaiado com o antecessor. Não se dá o luxo de disfarçar, o trabalho de maquiar, colocar uma manta no mobiliário da memória.
Recorrendo à fórmula fixa de história feliz, estabelece uma competição imaginária, anula a individualidade do seu par, apaga a invenção a dois e a costura por caminhos surpreendentes e inesquecíveis.
Acredita em sua inocência porque ninguém comentará o assunto. Desfruta da tolerância dos garçons, dos colegas, dos amigos, dos parentes.
É realmente um segredo com pequenas chances de ser revelado, porém a consciência não é boba e um dia se vinga. O que vive está longe de ser amor, é obsessão.
Fabrício Carpinejar no livro “Para onde vai o amor”, Ed. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2015