Se a humanidade não quiser sofrer com a falta d’água, tem que plantar árvores, tem que garantir o manejo sustentável das florestas, assim como do Cerrado. Um bioma intimamente ligado ao reabastecimento dos lençóis freáticos e dos aquíferos.
O cerrado é o mais antigo dos biomas atuais do planeta, tendo se originado há pelo menos 40 milhões de anos.
Atualmente existem nele cerca de 13 mil tipos de plantas, número que o torna um dos biomas mais ricos do mundo, tanto quanto a Amazônia.
Dessas espécies, segundo pesquisadores, não mais que 200 podem ser produzidas em viveiros. A ciência ainda não conseguiu reproduzir em laboratório as complexas interações entre os elementos do bioma, moldadas desde a era Cenozoica.
“O Cerrado já atingiu seu clímax evolutivo e precisa, para o seu desenvolvimento, de uma série de fatores que já não existem mais.”- diz Altair Sales Barbosa, arqueólogo e antropólogo, que estuda o assunto há pelo menos 50 anos.
Este bioma não está somente na região Centro-Oeste. Ele é encontrado também no Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia.
Uma grande esponja subterrânea
Um dos pilares deste bioma é a grande rede de raízes que atua como uma esponja que recarrega os aquíferos que por sua vez garante o abastecimento de água para a população.
Este reabastecimento pela chuva depende da vegetação para que a água chegue lá embaixo.
O mecanismo funciona da seguinte forma: quando há excesso de água, ela desce e é vertida para os lençóis freáticos e segue para os aquíferos. Além disso, alimenta as plantas durante a seca.
A constituição do solo do Cerrado é pobre de nutrientes, por conta disso, as raízes das plantas são bastante profundas e muito ramificadas. O pesquisador explica que existem certas espécies de plantas com um terço da sua estrutura a mostra na superfície.
Agronegócio e incêndios
A degradação ambiental do bioma causada pelo agronegócio e pecuária acontece desde a década de 70. E atualmente as raízes da plantas como milho e soja não são profundas a ponto de levar a água até os lençóis freáticos.
E para agravar a situação, entre um plantio e outro a terra fica nua e quando chove a água evapora.
Em suas pesquisas, o professor Altair Barbosa descobriu que tanto as nascentes quanto os aquíferos estão migrando. Se o nível da água cai, as nascentes nas partes mais altas secam. A perda de afluentes reduziu o fluxo dos rios e baixou o nível de reservatórios que abastecem cidades do Nordeste, Centro-Oeste e Norte.
Mesmo que replantássemos as espécies nativas não seria suficiente para garantir o equilíbrio do bioma.
“O processo não é tão simples porque o Cerrado já atingiu seu apogeu evolutivo. Há plantas que são polinizadas por determinados tipos de abelhas e vespas nativas que não existem mais graças aos agrotóxicos.” afirma Altair Barbosa.
Um outro fator é que as plantas nativas levam séculos para se desenvolver e há também certas “excentricidades da natureza” como a quebra da dormência da semente. Algumas são quebradas quando engolidas por determinados mamíferos e expostas a substâncias presentes em seus intestinos.
Há ainda sementes que precisam do fogo para germinar. Pode parecer um contra senso, mas Barbosa diz que incêndios naturais são essenciais para a sobrevivência do Cerrado e podem ocorrer de duas formas.
Uma delas se dá quando blocos de quartzo hialino, um tipo de cristal, agem como lentes que concentram a luz do sol, superaquecendo a vegetação. A outra ocorre pela interação entre algumas plantas e animais do Cerrado, entre os quais a raposa, o lobo-guará, o tamanduá-bandeira e o cachorro-do-mato-vinagre.
Segundo o pesquisador, esses mamíferos carregam no pelo uma carga eletromagnética que, em contato com gramíneas secas, provoca faíscas.
“Se a gramínea seca fica ali, não tem como rebrotar, então é preciso dessa lambida de fogo natural. Os incêndios também são importantes para que o solo do Cerrado continue pobre – afinal, foi nesse solo que o bioma se desenvolveu.” – afirma.
Barbosa não esconde sua preocupação com o avanço das plantações no Cerrado nordestino (Maranhão, Piauí e Bahia) e no Tocantins, porque afetará ainda mais os aquíferos, extinguindo os rios e consequentemente toda a atividade humana, a começar pela agricultura.
Aumento da produção sem desmatamento
Mais de 80% da expansão da soja nas últimas duas décadas ocorreu sobre a vegetação nativa do Cerrado e por incrível que pareça é possível garantir o aumento de produção sem desmatar segundo um estudo (em inglês) da organização ambiental The Nature Conservancy (TNC).
A pesquisa mostrou que a expansão da soja em terras de pasto subutilizados já existentes possui menor custo de implantação e maior produtividade do que a conversão de áreas de vegetação nativa em cultivo – já que é três vezes mais rápido atingir rendimentos máximos de colheitas em terras de pastagens já convertidas.
Neste procedimento há também vantagens financeiras como financiamentos com prazos mais longos e custos mais interessantes para os produtores e também atende a demanda do mercado por produtos mais sustentáveis.
Fonte: BBC Brasil, Ciclo Vivo
Foto de capa: By Eliane de Castro – Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=79269738