A ABL, Academia Brasileira de Letras, teve sete membros cientistas, entre eles o patrono da Fiocruz, o médico e sanitarista Oswaldo Cruz. Atualmente, três membros da ABL também são integrantes da ABC, Academia Brasileira de Ciências.
“Ciência também é cultura e, no Brasil de hoje, ambas passam por momentos difíceis. Por isso é importante estarmos juntos e cerrar fileiras para assegurar a sobrevivência de institutos de pesquisa e universidades”, afirmou o imortal José Murilo de Carvalho durante o debate “Os desafios da Ciência no Brasil” na ABL no dia 23 de agosto.
Um dos pontos levantados pelo físico Luiz Davidovich, que é presidente da ABC, é sobre a demora que se teve na construção de universidades no Brasil.
Enquanto que a Europa já dispunha de universidades desde a criação da de Bolonha, em 1088, no século XI; o Peru inaugurou sua universidade no século XVI e os Estados Unidos no XVII, a primeira universidade brasileira, construída no Amazonas, é de 1909. Depois veio a do Paraná, em 1912, a do Rio de Janeiro, em 1920, e a de São Paulo, em 1934. Segundo Davidovich esse atraso explica muitas das nossas dificuldades e o pouco caso que, historicamente, os governos deram à ciência.
Davidovich recordou a fundação, em 1916, da então Sociedade Brasileira de Sciencias (na grafia da época), a atual ABC, e discorreu sobre o almirante Álvaro Alberto, que presidiu a instituição entre 1949 e 1951.
O militar, que também era físico, deu uma contribuição fundamental para a implementação do Programa nuclear brasileiro e foi o representante do Brasil na Comissão de Energia Atômica da ONU. O presidente da ABC também abordou os sucessos obtidos pela Embrapa, Petrobras e Embraer a partir do investimento em pesquisas, laboratórios e formação de recursos humanos.
Não se faz ciência da noite para o dia
Segundo pesquisadores da Fiocruz e também das universidades, para que sejam encontradas as soluções para os problemas da saúde brasileira foram necessárias décadas de investimentos em ciência. E atualmente investimento é o que mais falta. E como se resolve estes problemas nacionais sem investimentos maciços em ciência?
O cientista Davidovich destaca que a Amazônia reúne 20% da biodiversidade nacional. A Amazônia azul, como é chamado o mar territorial brasileiro, poderá chegar a 4,5 milhões de quilômetros quadrados caso a Comissão de Limites das Nações Unidas, aceite a reivindicação do Brasil e amplie a área de solo e subsolo marinhos que o país poderá explorar. Tudo isso requer investimentos, que depois retornam em ganhos substanciais e na resolução de problemas.
O valor total gerado pela pesquisa pública equivale a um valor entre três e oito vezes o investimento feito. A taxa de retorno da maior parte dos projetos fica entre 20% e 50%. “Além disso, entre 20% e 75% das inovações não seriam desenvolvidas sem a pesquisa feita em instituições públicas, que levam, em média, cerca de sete anos para serem concluídas”- concluiu o presidente da ABC.
Fuga de cérebros
Segundo a atual presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, a pesquisa em saúde no Brasil contribui com o maior número de pesquisadores e programas de pós-graduação. “No entanto, as dificuldades orçamentárias têm gerado grandes problemas, como a interrupção de pesquisas importantes para o país e a população, a fuga de cérebros para o exterior, o que leva para outros países o conhecimento que poderia ser desenvolvido e dar frutos aqui, e também para a formação de novos pesquisadores, devido à precariedade de laboratórios e equipamentos”.
Nísia disse que a demanda nacional em saúde fica em torno de 9% do PIB e que o setor congrega cerca de 10% dos trabalhadores qualificados brasileiros, gerando 20 milhões de empregos diretos e indiretos, e é responsável por 35% do esforço nacional de P&D. “Este setor reúne plataformas críticas para o futuro do Brasil, como biotecnologia, química fina, equipamentos médicos, telemedicina, nanotecnologia e outros”.
O presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Ildeu de Castro, disse que os indicadores brasileiros em ciência têm piorado substancialmente. No entanto, mesmo se classificando como um “esperançoso”, ele lamenta que os desafios são muitos no cenário brasileiro.
“Temos que investir em educação de qualidade, em particular na educação científica, ampliar os recursos para ciência e tecnologia, recompor a força de trabalho no setor, desburocratizar e criar marcos legais adequados, melhorar a qualidade da pesquisa que produzimos, reforçar a inovação tecnologia e social, compartilhar a ciência produzida no país, com uma ciência cidadã e voltada para a cidadania e elaborar um projeto de nação que seja democrático, soberano e justo”. – afirmou.
De acordo com Castro, o desemprego atinge 25% dos mestres e doutores brasileiros, como revelou uma pesquisa feita em março deste ano. “No mundo, esse número não passa de 2%. E a perspectiva não é boa, porque o orçamento de 2020 promete ser ainda pior que o atual. E existe ainda a possibilidade horrível de a Finep ser extinta”.
Castro disse que os cortes orçamentários estão sucateando laboratórios e gerando situações preocupantes. “O número de bolsas de pesquisa está caindo, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) não vêm recebendo financiamento, a Capes está sendo desprestigiada. Enfim, os dados são muito ruins”. Ele comentou ainda que o Brasil caiu para 66º lugar, no mundo, no ranking de inovação científica e tecnológica.
Ildeu disse também que a população percebe essa queda e reconhece que é preciso investir mais. Ele apresentou dados de uma pesquisa recente que mostra que 78,1% dos brasileiros afirmam que é necessário aumentar os investimentos em ciência e tecnologia.
Para 13,4% os investimentos devem ser mantidos no patamar atual. Não souberam responder 5,1% dos entrevistados. Apenas 3,4% concordam com as reduções orçamentárias no setor.
Fonte: Fiocruz