Quando alguém usa o termo “Crioulo” qual figura lhe vem à mente? Sabe o que significa a palavra, na sua etnologia? O cerne popular que conheço, vivi e tento desconstruir sempre que o identifico e que traz um tom extremamente racista, põe o termo junto aos descendentes de africanos, massacrados desde que pisaram na Terra Brasilis, contudo, sabe-se pouco a respeito da cultura crioula, a nossa cultura.
Com o passar do tempo, a palavra crioulo foi adquirindo contornos pejorativos.
O termo “Cheiro de Corpo” (famoso CC) passou a ser associado às etnias de origem africanas, e a chamar-se “Cheiro de Crioulo” pois o acesso à perfumaria sempre foi destinado às classes mais abastadas e não à população negra que sempre esteve na base da pirâmide social.
Isso é um dos poucos fatores que posicionam negros como população crioula, pois quem era descendente direto de europeu aqui sempre foi tratado com europeu, porém, ser crioulo é ser negro?
Ao redor da América Latina inteira o termo tem uma outra conotação, que aproxima-se da essência da palavra, antes de ser contaminada pelo racismo estrutural e a relação de dominância entre os povos.
“Criollo” é o colono espanhol da América Espanhola, e a cultura crioula tem em seu âmago o sincretismo do povo colonizador com o nativo, colonizado.
O artigo “Necessidade e solidariedade nos estudos de Literatura Comparada”, de Benjamin Abdala Júnior publicado na Revista de Literatura Comparada n°3, o autor fala desse potencial crioulo que as culturas americanas possuem e que precisa ser explorado até para fins identitários, na construção de um sentimento de cultura nacional genuíno, plural, cosmopolita, diferente do que fora importado do exterior.
De minha parte, faço um aceno positivo ante tal afirmativa do autor pois não há como não identificar a pluralidade em nosso povo, mesmo que queiramos parecer portugueses ou qualquer outro povo europeu.
O sincretismo é resultado da colonização, esse processo de antropofagia é inerente aos desejos dos povos, acontece de forma involuntária mesmo com a dominância de um povo em relação ao outro.
Quanto à literatura comparada, a relação de dominância cultural colonial deve ser substituída por estudos paralelos a partir da inversão de perspectivas e de sua descentralização conforme o autor afirma, e cita o cubano Roberto Fernandes Retamar: “ quando um europeu quer ser simpático aos centro-americanos, ele chama o “Mar das Caraíbas” de “Mediterrâneo americano”.
Essa troca é importante pois muitos de nossos compatriotas se identificam como europeus. Eu mesmo já tive o interesse em ter a dupla nacionalidade, queria ter a nacionalidade europeia, em especial a espanhola. Isso tudo para parecer menos brasileiro devido às nossas mazelas sociais, assim como os traços culturais, é um sentimento semelhante ao de um cachorro vira-lata, como muitos estudiosos do assunto o dizem.
Incrível a falta de empatia e também de autoconhecimento e de muitos brasileiros por desconhecerem os motivos que levam as pessoas a migrarem. Esse fluxo de pessoas assim como o contato entre elas garantem a diversidade, a troca, às vezes conflitos mas também acolhimento e mistura.
Abdala também cita o autor do romance “A jangada de Pedra”, de José Saramago, como núcleo simbólico por envolver temas de imaginação utópica, de memórias e relações culturais, essas mais próximas de nossa análise.
O livro proporciona uma “viagem”, uma possibilidade de uma comunidade Ibero-afro-americana. Nesse agrupamento, a reunião de nações deve-se às afinidades culturais dos povos que estão relacionando-se.
Algo mágico e de inúmeras possibilidades. A antropofagia cultural ou mesmo a criação de novas manifestações.
Como o título sugere, é necessário essa solidariedade entre os povos para que tudo flua melhor, sem conflitos pois assim como possuímos muitas diferenças, o nosso chão comum, aquilo que nos une, trás benefícios que perpetuam gerações, criam um sentimento identitário importante ante toda uma padronização, resultado de um imperialismo cultural.
Benjamin fala dos escritores africanos que reinventaram seus países a partir de uma visão matriarcal, em oposto, da patriarcal, o que se remete a alguns autores brasileiros quanto à ruptura da ordem vigente tais como os escritores do Modernismo brasileiro afirma.
O término da exposição fala da necessidade em demarcar o lado crioulo e de combater o comparatismo Norte-Sul assim como convidar àqueles que estão ao Norte do Equador a se reconhecerem como universais e plurais e que em nós, colonizados temos vários traços deles, somos patrícios mas não somos eles, somos crioulos, uma mistura única e temos vários pedacinhos de vário(as) outras culturas .
Não há como discordar do Abdalla, pois num mundo globalizado, unificado em vários aspectos não garantir a mistura dos povos Ibero afro americanos através da literatura em defesa de um pseudo nacionalismo é um atraso e anacronismo cultural imenso. A foto que ilustra essa matéria é da chegada da chama crioula gaúcha. É…o amor dos povos também é o lugar do ódio.