A frase-título foi retirada do trailer do filme “Ser tão velho Cerrado” do diretor André D´Elia, disponível na plataforma Netflix. Um documentário que mostra o ponto de vista da agricultura familiar x agronegócio e aponta para o risco de extinção deste bioma, que é o segundo maior no Brasil.
Muito se fala sobre a Amazônia por conta de sua magnitude, contudo, o cerrado é um bioma é tão importante quanto porque ele funciona como uma espécie de distribuidor de águas para as bacias hidrográficas do país.
É um bioma que compreende os estados de: Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal, além de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Tocantins, Bahia, Maranhão e Piauí. É considerado uma savana reconhecida como a mais rica do mundo pela sua biodiversidade. Confira o mapa:
O cerrado tem o solo pobre de nutrientes, que ao colocar fertilizantes para o cultivo da soja, a vegetação nativa não volta mais, não tem como restaurar o bioma. E com o uso contínuo pelo agronegócio, a duração do solo será apenas de 14 anos.
Neste Brasilzão é muito fácil esbarrar em situações em que o direito patrimonial, o lucro, a propriedade privada é maior que os direitos de uma comunidade.
O PIB puxado pelo agronegócio, que de um lado pode ser motivo de orgulho da nossa balança comercial, por outro lado, o “deserto verde da soja” deixa um passivo ambiental enorme.
Há também a concentração de renda na mãos de poucos, pois nada é revertido para a comunidade, tudo é para a exportação. 73% da soja produzida no Brasil seguiu para o mercado exterior – a maior parte para China e países da União Europeia.
2019: a explosão do desmatamento
Na Amazônia, medições de satélite só no mês de julho, a área devastada foi 90% maior que o mesmo período do ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Já no cerrado, o segundo maior bioma brasileiro, que já perdeu quase metade de sua área original, os alertas diários mostram que o desmatamento ilegal continua a desempenhar um papel decisivo na devastação. Os números são impressionantes: dos 802 alertas emitidos nos primeiros três meses do ano, havia autorização para o corte em apenas 13 áreas.
Esses dados refinados estão reunidos na plataforma MapBiomas, que faz o mapeamento da cobertura e uso do solo no país em parceria com universidades, ONGs e empresas – e que pode ser acessada publicamente.
Um levantamento detalhado feito pela ONG Instituto Centro da Vida (ICV) mostra que o estado de Mato Grosso, maior produtor brasileiro de soja, registra um dos maiores índices de clandestinidade: 95% do desmatamento registrado em 2018 ocorreu de forma ilegal.
Em 71% dos casos, os locais identificados tinham área equivalente a 50 campos de futebol, que dizer, são áreas desmatadas que dá pra ver por satélites, logo, não é difícil fazer a fiscalização e punição.
Para a análise, o ICV consultou bases de dados públicas. A principal delas é o Prodes Cerrado, programa de monitoramento do Inpe que, desde 2018, ganhou periodicidade anual. A outra fonte é o banco que reúne as autorizações de desmatamento emitidas pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
Expansão e ilegalidade
Desde 2010, a área plantada de soja cresceu 45% no Brasil, apontam estatísticas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO). Em Mato Grosso, a área semeada para a safra 2018-2019 foi de 97 mil km² – cerca de três vezes o tamanho da Bélgica e que pode chegar a cinco Bélgicas, de acordo com o pesquisador brasileiro Gabriel Frey, na Universidade de Bonn.
” Só no Estado de Mato Grosso, são 57 mil km² de expansão de soja sobre o cerrado e 50 mil km² no bioma Amazônia”, diz, pontuando que a área total do Estado é 903 mil km² e que o território tem tanto porções do cerrado quando da Floresta Amazônica. É uma proporção muito alta.” – afirma Gabriel.
Para o Greenpeace, o aumento da área plantada de soja pode ter relação com o chamado comércio de commodities de alto risco, ligado ao desmatamento e conflitos sociais para sua produção. Num relatório recente, a ONG apontou que mais de 50 empresas não foram capazes de provar que o grão adquirido era livre de desmatamento ilegal.
Em comparação com 2017, o ritmo de destruição do cerrado caiu. De agosto de 2017 a julho de 2018, foram perdidos 6,7 mil km² do bioma, 11% a menos que o registrado no período anterior. Em Mato Grosso, houve queda de 20%, aponta o Prodes Cerrado (Programa de monitoramento do INPE).
Em compensação, o índice de ilegalidade se mantém alto. Entre as várias explicações para esse cenário, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso aponta o aumento da pressão sobre as fronteiras agrícolas.
“Com a valorização da moeda americana, o preço das commodities agrícolas sobe, aumentando a pressão nas fronteiras agrícolas”, respondeu a secretaria, por e-mail. citando também “problemas sociais ligados à regularização ambiental dos assentamentos e especulações fundiárias”.
A secretaria afirma que as ações de comando e controle são guiadas pelo monitoramento, multas e presença da fiscalização, além da sensibilização dos proprietários rurais, criminalização e responsabilização. Nos quatro primeiros meses do ano, foram aplicados 222 milhões de reais em multas por desmatamento ilegal no estado.
O promotor Joelson de Campos Maciel, do Ministério Público de Mato Grosso, acredita que o cerrado parece ser a “bola da vez” por conta da produtividade no agronegócio. Diversos estudos já publicados apontam que soja é a segunda maior causa do desmatamento (a pecuária é a primeira).
Maciel é um dos procuradores que atuaram numa ação que obrigou o governo de Mato Grosso a divulgar dados relacionados ao meio ambiente. Segundo o inquérito, muitas informações não eram disponibilizadas, o que dificultava o acompanhamento da gestão ambiental no estado.
Em 2018, mais de 20 pessoas foram presas em Mato Grosso acusadas de crimes ambientais, como desmatamentos ilegais, falsificações e inserções de dados falsos em procedimentos ambientais.
Dentre as irregularidades investigadas em cerca de 600 propriedades está a tentativa de “esconder” áreas desmatadas ilegalmente com fornecimento de mapas falsos ao Cadastro Ambiental Rural, que é obrigatório, segundo o Código Florestal.
“Estamos agora fazendo um pente fino para regularizar tudo isso”, afirma Maciel. “Não temos aquela política ‘de nós contra eles’. Buscamos a legalidade, queremos que o Estado faça a sua produção de uma maneira correta”, complementa.
Trailer do documentário “Ser tão velho Cerrado”, direção André D´Elia
Fonte: Camara em Pauta e DW
Foto: Agência Brasil/Elza Fiúza
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