Quando se trata de amor, o dito popular: “Água mole, pedra dura, tanto bate até que fura” é um investimento pesado para quem aposta na persistência, mas há casos bem-sucedidos que justificam os esforços dos românticos
Na história a seguir, o escritor e teatrólogo Nelson Rodrigues foi persistente, ou melhor, fiel à paixão.
A recusa da sua amada só o estimulava a seguir em frente, vivia a sua própria obsessão “rodrigueana”. Afinal, paixão não demarca limites e disso ele entendia muito bem.
As flores
O escritor brasileiro Nelson Rodrigues estava condenado à solidão. Tinha cara de sapo e língua de serpente, e a seu prestígio de feio e sua fama de venenoso somava-se a notoriedade de seu contagioso azar: as pessoas ao seu redor morriam de tiro, miséria ou infelicidade fatal.
Certo dia, Nelson conheceu Eleonora. Naquele dia, dia do descobrimento, quando pela primeira vez viu aquela mulher, uma violenta alegria atropelou-o e deixou-o abobado.
Então, quis dizer alguma de suas frases brilhantes, mas as pernas bambearam e a língua se enrolou e não conseguiu outra coisa a não ser gaguejar ruidinhos.
Bombardeou-a de flores. Mandava flores para o apartamento dela, no alto de um edifício do Rio de Janeiro.
A cada dia mandava um grande ramo de flores, flores sempre diferentes, sem repetir jamais as cores ou aromas, e ficava esperando lá embaixo: lá de baixo via a varanda de Eleonora, e da varanda ela atirava as flores na rua, todos os dias, e os automóveis as esmagavam.
E foi assim durante cinqüenta dias. Até que um dia, um meio-dia, as flores que Nelson enviou não caíram na rua e não foram pisadas pelos automóveis.
Naquele meio-dia, ele subiu até o último andar, apertou a campainha e a porta se abriu.
Eduardo Galeano, “As flores” no livro “O Livro dos Abraços”. Editora L&PM, 2015