Repetimos o que nos foi ensinado, o que estamos acostumados. Não reparamos nas sutilezas que dão um significado diferente ao que está à nossa volta.
Nós somos o mundo que vivemos, por mais que sejamos contra a ganância, as guerras, por mais que apoiemos causas sociais e ambientais, ele tem se mostrado cada vez mais caótico.
No texto a seguir, Monja Coen reflete sobre como vemos e interpretamos a realidade e o quanto temos responsabilidade em relação aos nossos sentimentos quando nos acontece, algo.
É uma opção sua desabrochar ou não o seu coração.
Mente Buda
“O desabrochar da flor da ameixeira é a primavera.” Costumamos dizer que a flor desabrocha na primavera. Não é bem assim. O desabrochar da flor é a primavera. Pense nisso. Há uma sutil e profunda diferença.
Quando conseguimos modificar nossa maneira de falar e de ser, é por ter havido uma mudança no nosso modo de ver e interpretar a realidade. Primavera é flor. O desabrochar é a primavera.
Verão é calor. O calor é o verão. Outono é a lua no céu claro. A lua no céu claro é o outono. Inverno é frio. O frio é o inverno.
No Brasil, as estações do ano não são tão bem marcadas como em outros países de clima temperado. Podemos ter no mesmo dia a manifestação das quatro estações.
Nos países frios, o desabrochar da ameixeira branca – a primeira flor que surge, ainda na neve – é causa de grande alegria. Fragrâncias e cores voltam, sair de casa é mais fácil. Alimentos frescos aparecem em maior quantidade nos mercados.Menos roupas, mais leveza. Renovação da vida.
Fui ao Uruguai para um retiro zen-budista. Era outono. Árvores sem nenhuma folha ou flor esticavam seus galhos cortados formando desenhos estranhos. Formas que desconheço no Brasil. Eram árvores grandes, altas, escuras sob um céu nublado.
Recebi da prefeita de Montevidéu uma placa de Honra ao Mérito, pois haviam dito a ela que trabalho para o desenvolvimento de uma cultura de paz.
Faço tão pouco que não me senti digna da honra. Participo de encontros inter-religiosos, faço palestras, dou aulas, pratico zazen (meditação sentada). Sempre que posso, falo sobre nossa responsabilidade em relação à realidade em que vivemos. Somos essa realidade. Assim como a flor é a primavera. Somos o mundo em que vivemos.
Podemos fazer a diferença, a mudança que almejamos. Claro que há muita coisa que podemos fazer sozinhos. Limpar a sujeira dos cães na rua, não jogar lixo nas calçadas, separar o lixo orgânico do reciclável, usar pouca água no banho, nas pias, cuidar das plantas e evitar a dengue em nossa casa e em espaços comunitários, minimizar o uso de energia elétrica.
Podemos ter preocupações ambientais e sociais. Podemos participar de grupos, ONGs. Mas sempre será necessário que haja políticas públicas baseadas no cuidado.
“A mente humana deve ser mais temida que cobras venenosas e assaltantes vingadores” , dizia Buda. Verdade. Enganamos a nós mesmos. Consideramos bom aquilo que nos engrandece e favorece.
Se não formos capazes de sair desse eu menor, que nos mantém em delusão, jamais acessaremos a Verdade, o Eu Maior. O desabrochar do coração de compaixão e sabedoria é a Mente Buda, assim como o desabrochar da flor é a primavera.
Monja Coen, texto “Mente Buda” do livro “A Sabedoria da Transformação”, Editora Planeta, São Paulo, 2014
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