Quem diria que por trás do sorriso desta foto existe uma especialista num dos assuntos mais temidos: a nossa própria morte.
Geriatra, especialista em cuidados paliativos, Ana Claudia Quintana decidiu ser médica para cuidar da sua avó, que tinha uma doença arterial grave a ponto de amputar-lhe as pernas. Apesar disso, ela viveu até seus 91 anos e partiu no dia da formatura da sua neta.
Outros lutos de familiares e de amigos próximos vieram em seguida, e em cada um, Ana Claudia se sentia mais fortalecida.
“Ter vivido pessoalmente tantos lutos em situações que envolveram cuidados paliativos consolidou a verdade e o amor à minha prática e à minha vida”, diz.
Formada pela USP, com pós-graduação em psicologia em intervenções em luto, ela se especializou em cuidados paliativos no Instituto Palium e pela Universidade Oxford na Inglaterra. Foi também responsável pela implantação de políticas assistenciais e treinamentos em cuidados paliativos no Hospital Israelita Albert Einstein.
Quebrando o tabu
Por mais que hoje em dia a procura pela especialização em cuidados paliativos tenha aumentado, o preconceito continua, inclusive na classe médica. Criticada por “romantizar os cuidados paliativos”, Ana Claudia rebate dizendo que seu trabalho nada tem de romântico, ele é apenas humano.
Os absurdos que via e ouvia e o desconhecimento sobre o assunto a estimulou escrever o livro “A morte é um dia que vale a pena viver” a fim de levar esta reflexão para o maior número de pessoas possível. Para ela, tomar consciência da mortalidade é o melhor caminho para valorizar a vida.
“Eu digo: aqui no Brasil não se morre de câncer, se morre de dor”. Segundo a médica, apenas 3 pessoas em cada mil recebem cuidados paliativos na fase terminal de qualquer doença.
Inconformada com a frase: “não há mais nada a fazer”, Ana Claudia não abandona seus pacientes. Ela vai na contramão do cenário de abandono em que não há mais consultas médicas, as enfermeiras não vão mais aos quartos, as famílias sofrem e ninguém faz nada para amenizar a situação.
Um movimento subversivo, quase revolucionário
É desta maneira que a médica encara os cuidados paliativos e quem adere à este movimento deve estar preparado para as críticas e humilhações, como a própria já sofreu.
Segundo Ana Claudia, a sensibilidade e a humanidade não são valorizadas pelos profissionais de saúde, mesmo que aliadas à toda uma qualificação técnica. “Certa vez ouvi de um grande professor que a medicina paliativa é um jeito romântico de fracassar como médico”.
O cuidado paliativo não é uma luta contra a doença, mas o favorecimento da vida na medida do possível. Para a médica, entre adoecer e morrer há muito o que fazer pelo bem de quem vive esse processo tão delicado e sagrado.
Vida abençoada, morte abençoada
Se fizer uma enquete sobre como as pessoas gostariam de morrer, as respostas dormindo e sem sofrimento seriam unanimidade. Ana Claudia supõe que estas pessoas levem uma vida desconectada da realidade e adormecida.
A médica diz que se surpreende com pessoas que levaram uma vida reclamando e brigando por bobagens e no final da vida conseguem transcender ao sofrimento.
“A morte só seria abençoada quando se teve uma vida abençoada. Infelizmente, isso não acontece com a maioria. As pessoas não demonstram afeto, não dizem que amam, não pedem perdão, não vivem experiências de felicidade com a frequência que deviam permitir-se viver.”- garante a médica
Muito mais importante que recuperar o tempo perdido, ela acredita que pensar sobre a morte salva a vida como biografia. Cada um tem o livre arbítrio de escolher levar uma vida que faça sentido ou não, de fazer a diferença no mundo ou não.
“Se você ama alguém, precisa saber perder essa pessoa, e exatamente por isso é preciso amá-la muito. Se você ama a vida, precisa viver sabendo que ela termina, e exatamente por isso é tão necessário honrar a vida, vivê-la intensamente.”- conclui
Fonte: Universa
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