Andy Warhol dizia que todo mundo teria seus 15 minutos de fama. Com o advento das redes sociais, 15 minutos é pouco. Foi-se o tempo em que existia anonimato, agora tudo é postado.
Neste texto, Lya Luft nos chama atenção para a quietude e a simples contemplação que se acabou. Nos ambientes que frequentamos temos televisão, celulares e falatório alto. Além disso somos cercados por inúmeros manuais de bem-viver para serem consumidos. Depois de ler, que tal se desligar?
Alegrias ou espíritos aflitos?
Tão rígidos somos, que qualquer coisa que fuja ao nosso gosto pessoal, tantas vezes duvidoso, é posto no índex do nosso preconceito.
Cuidado: quem não tem mente aberta, não gosta nem entende de arte. Virginia, a Woolf, dizia que o verdadeiro artista e crítico deveria ter pelo menos “a mente andrógina”… e nós, com tanto medo de que alguém desconfie de que não somos cem por cento macho ou fêmea, cultos o suficiente, bastante intelectualizados.
Pobres inseguros metidos na armadura da arrogância, que só na juventude pode ter lá sua graça: depois, é de uma chatice monumental.
Por que não contemplar tudo, e depois escolher? Afinal, energia atômica cura o câncer e mata tanto quanto um bom tsunami, menos do que um Hitler, que não era louco e sim mau.
A loucura geral se espalha em forma de burrice ou impertinência: fico a pensar em que eu escapo disso, em que sou cúmplice e participante. Eu sei, vou ficando implicante também.
Uma de minhas implicâncias é com a barulheira e a agitação. Sendo pouco original, os temas que abordo são invariavelmente os humanos, também nada originais: família, desencontro, desrespeito, ressentimento, pouca estima por si e pelo outro, baixaria, mistério, morte, desperdício de vida ou vidas que podiam crescer mas encolhem à sombra da mágoa e da futilidade.
E também nosso problema com quietude e silêncio: o barulho como acompanhamento permanente. Restaurante, do mais simples ao razoável (nos bem sofisticados ainda não é assim, mas aí o bolso chia), tem o som sempre aberto em todos os decibéis, ou pior: música ao vivo, supremo agrado ao cliente.
Como pedir ao cantor, ao tecladista, ao saxofonista, que baixe um pouco o tom pra gente não só conversar em vez de gritar, mas ouvir o que ele toca?
Praia, agora, tem alto-falantes ou pequenos palcos onde alguém tenta animar os veranistas que de outro modo, em lugar de conversar, brincar e aproveitar a praia para curtir o mar e descansar, iam morrer de apatia.
Num desses pequenos palcos escutei outro dia, olhando o mar de minha sacada, todo um desfile de cães: com “vestidinho de broderi e rendas”, com “calça de veludo devorê” (seja lá o que isso for). Acho que disseram “meias e sapatinhos”, mas não ousei espiar.
Festa infantil é comandada por recreacionistas, grande alívio quando os pequenos formam um mar de mini-tsunamis incontroláveis. Mas é possível que a vida de muitas dessas crianças seja dirigida por uma agenda movimentada e rigorosa: todos correndo como uma manada de bezerrinhos preparando seu futuro no rebanho adulto.
Tempo de viver, de brincar à vontade, de inventar jogos ou simplesmente de ficar quieto sentindo o mundo… acabou-se?
Até sexo começa a ser dirigido — ternura, paixão, sensualidade boa trocadas por acrobacias, ordens, receitas.
Em criança ouvi histórias sussurradas (que me pareciam confusas) sobre recusar-se a cumprir o aborrecido “dever” (condenando os pobres maridos à infidelidade e à culpa).
Sobre isso também escrevo há décadas. Hoje caímos no extremo oposto: o privado cada vez mais público, tudo posto em manchetes. Temos os manuais de prazer, de etiqueta, de ganhar dinheiro, de fazer sucesso e ser competente, verdadeiros manuais de vida.
Deve haver manuais de morrer: logo vou investigar qual a melhor posição, a hora do dia, e quem sabe a música ao vivo pra acompanhar a minha despedida deste mundo estranho e por isso fascinante, matéria viva de muitos futuros livros e cogitações.
Lya Luft, crônica ‘Alegrias ou Aflição de Espíritos?’, do livro ‘Em Outras Palavras. Rio de Janeiro: Editora Record, 2011.
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