Como sobreviver com esperança em situações muito adversas? Para Rubens Alves, a religião é a teimosa obstinação que continua a ter esperança, a despeito de tudo. Diferentemente dos animais, recusamo-nos a aceitar o veredicto dos fatos.
Convertemo-nos à algum credo porque queremos ter esperança. Não podemos viver num mundo em que os bancos, a política e as prisões têm a última palavra.
O momento religioso da consciência
As origens históricas da religião estão cobertas por um denso mistério. Não sabemos nem onde e nem quando o homem
teve, pela primeira vez, uma experiência religiosa. Cremos, entretanto, que a primeira experiência religiosa marca a transição
do macaco nu para o homem.
Surgiu, naquele momento, de forma inexplicável, uma nova maneira de ser perante o mundo, um novo tipo de consciência. Diferentemente do animal que aceita a natureza como o seu limite e adapta-se a ela, o homem passa a rejeitá-la como estrutura final em cuja interioridade se encontra preso.
O “princípio do prazer” torna-se mais ambicioso. É promovido à condição de tendência e horizonte da realidade. Assume o “status de paixão infinita” (Kierkegaard), de “ultimate concern” (Tillich), de norma final diante da qual a própria realidade deve se curvar.
Uma nova lógica de vida emerge. A facilidade bruta do mundo imediatamente dado é rejeitada e a imaginação passa a se constituir na tela que representa, para o homem, o mundo que é objeto de sua busca.
Muito embora este momento primordial de transição escape ao nosso conhecimento histórico, ele se repete diante dos nossos olhos na experiência da conversão. A conversão é o momento religioso da consciência.
Frequentemente a análise científica da religião prefere tomar como seu objeto as suas formas institucionais ou suas cristalizações dogmáticas.
Entretanto, frequentemente estas nada mais são que monumentos de uma experiência esquecida! E quando isto ocorre o qualificativo “religioso” é puro engano, pois tais objetivações institucionais e intelectuais já não exercem uma função religiosa.
Na experiência da conversão, entretanto, contemplamos a religião no seu momento de nascimento. Aqui a subjetividade está envolvida de forma total e irrestrita.
Bem que poderíamos denominar a conversão de metamorfose da subjetividade.
Estruturas inteiras caem por terra. Centros emocionais se deslocam. As zonas quentes da personalidade e as suas matrizes emocionais deixam de sê-lo.
E ao mesmo tempo novas emoções passam a se constituir no objeto da paixão infinita do homem, enquanto um novo mundo é construído pela subjetividade.
Ser convertido é morrer para nascer de novo. “Metanoia”: experimentar a dissolução das estruturas normativas da razão,
para logo em seguida ver surgir uma nova razão, organizada segundo categorias radicalmente diferentes.
À primeira vista isto pode parecer muito estranho. Não estamos acostumados a pensar na razão como algo que se faz e desfaz.
Rubem Alves, “O momento religioso da consciência” do livro “O Enigma da Religião”, Editora Papirus, São Paulo 1984