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A positividade também pode ser tóxica – por Monge Yakusan

Quando os desafios aparecem costumamos reclamar, nos fazemos de vítimas ao perguntarmos: “por que eu?” e sentimos raiva porque nossa normalidade foi abalada.

Estas atitudes são comuns em qualquer ser humano. O problema é quando nos tornamos reféns destes tipos de sentimentos e tornamos nossa troca de energia e relações com as pessoas em algo ruim, pesado.

Por outro lado, não basta pensar positivo e que as coisas acontecem. Não é para banalizar a positividade. É preciso ação, agir de um outro ponto de vista. De um ponto de vista focando na solução.

O texto a seguir é do monge Yakusan, publicado na Revista Fórum (www.revistaforum.com.br) em junho de 2020, período de muitas mortes no Brasil pela pandemia de Covid-19. Yakusan também é médico e questiona o discurso de ser positivo o tempo todo escondendo o sofrimento. Boa leitura!

Positividade tóxica, por Monge Yakusan

“Podemos rezar, torcer, pensar positivo que tudo isso irá passar logo mais adiante, mas NEM DE LONGE a pandemia é um presente, ou um motivo para agradecer”

Sonhe alto, sonhe grande, pense positivo e atraia coisas boas que o Universo trará tudo de bom. Namastê. Gratidão. Gratiluz. Essas são alguns meios expedientes que as pessoas encontram para atravessar problemas, dissabores, a vida em si, e pandemias como a que o mundo atravessa ao longo desse “eterno 2020” com o coronavírus assolando sistemas de saúde e dizimando famílias.

Podemos rezar, torcer, pensar positivo que tudo isso irá passar logo mais adiante, mas NEM DE LONGE a pandemia é um presente, ou um motivo para agradecer. E muito menos protestar contra injustiças cometidas por um governo de Estado é “torcer contra”.

Em muitos momentos, precisamos de ação correta e menos palavras fofinhas que não ajudam em nada. Precisamos fugir do que eu chamo de positividade tóxica.

Quer um exemplo? Imagina uma mãe que perdeu um de seus cinco filhos por uma bala perdida. É uma dor inimaginável.

Agora imaginem consolar essa mãe no velório dizendo algo do tipo: “Não fique assim, dê graças a Deus que você tem seus outro quatro filhos.”

Podemos dar graças por estar vivo ou viva, por termos pessoas que amamos perto de nós, mas LUTO é LUTO. Dor é dor. E tudo que uma mãe com a dor da perda de um filho não quer é agradecer por uma conta de subtração, muitas vezes ocorrida de forma injusta, como vemos em muitas periferias pelo Brasil e pelo mundo.

Buda quando teve a iluminação ou o seu despertar (ele não foi ao sétimo céu nem acessou o fim do arco-íris, só para constar), a primeira Nobre Verdade que ele disse foi : ”Sofrimento existe”. Ponto.

Ele não quis dizer com isso que “nossa, preciso me autoflagelar até o fim dos meus dias, porque viver é um horror’. Mas nós temos nossas insatisfações cotidianas. Trabalhamos, e geralmente muito, pagamos impostos que nem sempre vão para onde deveriam ir, sentimos fome, sede, tristeza, tédio, e em distanciamento social, as coisas ficam mais difíceis.

Podemos treinar respirar de forma consciente para atravessar essa jornada de forma serena, com sabedoria e compaixão. Adianta emanar “boas vibrações” sem lavar as mãos, sem usar máscara, sem ter o cuidado de evitar aglomerações, nem nunca chamar a atenção do filho quando ele faz alguma coisa equivocada? Não mesmo.

O mestre zen vietnamita descreveu os 14 preceitos do budismo engajado, meios expedientes de ligarmos à prática de atenção plena e presença absoluta à ação social, para que a gente se coloque como agente de transformação social no mundo, minimizando sofrimento. Dentre esses princípios, destaco dois:

“Não seja idólatra por causa de nenhuma doutrina, teoria ou ideologia, mesmo as budistas. Os sistemas budistas de pensamento são meios de orientação; eles não são a verdade absoluta”; e “Não evite o sofrimento, não feche seus olhos ao sofrimento. Não perca a consciência da existência do sofrimento na vida do mundo. Encontre maneiras de estar com aqueles que estão sofrendo, incluindo contato pessoal, visitas, imagens e sons. Por tais meios, lembre a si mesmo e aos outros à realidade do sofrimento no mundo.”

Ou seja, essa pandemia pode ser uma oportunidade de refletirmos sobre o nosso funcionamento enquanto sociedade, enquanto humanidade, mas ela não é “um presente” como disseram em algumas postagens inadequadas por aí.

Pessoas estão morrendo, e sofremos as mais diversas perdas além das próprias vidas. Perdemos presenças, afagos, afetos, o costume de nos agruparmos pelos mais diversos motivos, e perdemos a própria liberdade irrestrita de ir e vir.

Cinemas, museus, teatros, escolas e universidade seguem fechados em diversos lugares do planeta. São tempos difíceis em que precisamos de muita resiliência para seguir com serenidade, mas também com ação correta, em especial diante de injustiças. Como
o próprio Thich Nhat Hanh traz em outro principio do budismo engajado, “Tenha a coragem de levantar sua voz quando vir uma situação injusta.”

“Entrego, confio, aceito, agradeço.” Essas são palavras ensinadas por um dos pioneiros do yoga no Brasil, o eterno professor Hermógenes.

Que a gente possa sim agradecer, sem antes deixar de agirmos de forma correta, com sabedoria e compaixão, avaliando a hora correta de entregar, confiar, aceitar e agradecer, mas também e levantar a voz para minimizar injustiça e sofrimento. Agora sim, namastê – “o Sagrado em mim saúda o Sagrado que há em você.”

Despertem, e desfrutem suas vidas.

Monge Yakusan – Monge Zen, médico de família, cantor barítono, professor de medicina, praticante de ikebana, professor de medicina na PUCRS e UFCSPA e humano, afinal.

Revista Ecos da Paz

Viver em harmonia é possível quando abrimos o coração e a mente para empatia e o amor.

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