No final desta crônica tem uma frase sensacional: “ficar comovido é de primeira necessidade”. Sim, meus caros, a arte tem este poder, o de comover, emocionar, nos fazer refletir sobre nossas vidas, ou simplesmente nos deixar num estado de contemplação e nos relaxar.
Ao abrirmos um livro nos tornamos cúmplices daqueles personagens. Muitas vezes nos identificamos com certas frases, nos indignamos com as atitudes que eles tomam, torcemos por eles, rimos com eles até o ponto final.
A música também tem o seu poder. Ela nos transporta para as lembranças importantes de nossas vidas ou nos proporciona momentos descontraídos e/ou relaxantes.
Quando encontramos uma utilidade, um propósito para nós em um livro e/ou música, transcendemos junto com a arte e isto é reconfortante. Boa leitura!
AUTOAJUDA
Estava lendo o divertido e charmoso “É tudo tão simples”, de Danuza Leão, quando uma
senhora chegou perto, com ar de desprezo, e disse: “Não te imaginava lendo autoajuda”.
Pensei em responder que Kafka e Tchékhov também são autoajuda: dos eruditos aos
passatempos, todo livro escrito com honestidade ajuda. Se bobear, até mesmo embustes tipo “Como arranjar marido” ou “Como juntar o primeiro milhão antes dos 30 anos” ajudam – quer ilusão, toma ilusão.
O psicanalista Contardo Calligaris certa vez afirmou, numa entrevista, que escreve para
estimular o leitor a melhorar a qualidade de sua experiência de vida, intensificando-a. E
Calligaris realmente consegue esse feito, por isso o leio.
Assim como leio e sublinho inúmeras citações do filósofo romeno Cioran, que me ajuda a identificar a miséria humana sob uma ótica extremamente lúcida.
Muito antes de eu descobrir Calligaris e Cioran, tive que descobrir a mim mesma, e
Marina Colasanti foi, nesse sentido, minha guia espiritual. Com suas crônicas, abriu minha
cabeça para a sociedade que estava se firmando no início dos anos 80, quando as mulheres
assumiram um novo papel. Eu não seria a mesma se não tivesse lido seus livros.
Ainda adolescente, Fausto Wolff me deu consciência política, Millôr Fernandes me
ensinou a enxergar o reverso do espelho, Verissimo me incentivou a rir de mim mesma, Paulo Leminski me fez ver que poesia não precisava ser um troço chato e Caio Fernando Abreu me apresentou um mundo sem preconceitos.
Seria uma ingrata se dissesse que eles não fizeram nada além de me entreter. Além desses autores geniais, passei também por livros maçantes que me serviram como
ansiolíticos – me ajudaram a pegar no sono. Hermetismo nem sempre é sinônimo de
inteligência, profundidade não é privilégio dos deprimidos e mesmo histórias bem-escritas
podem naufragar se forem pretensiosas.
Michael Cunningham ajuda a manter minha humildade (nem que eu vivesse 200 anos
conseguiria escrever algo minimamente parecido com Ao anoitecer), Cristovão Tezza ajuda a controlar minha inveja (que autor, que técnica!) e Dostoiévski me ensina que a fúria é mais produtiva quando transformada em arte.
Qualquer tipo de arte, aliás. Música de autoajuda? Existe. Cazuza, por exemplo, já estimulou minha indignação com o país, Ney Matogrosso me faz sentir sensual, Jorge Ben sempre me alegra e Chico Buarque diversas vezes me comoveu, e ficar comovido é de primeira necessidade.
Existe autoajuda para todos os gostos. Tendo ou não esse propósito, nenhum livro merece
ser diminuído por ter sido útil.
30 de novembro de 2011
Martha Medeiros, crônica “Autoajuda”, no livro “A graça da coisa”. Editora L&PM, Porto Alegre, 2013.
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