Quem tem filho adolescente sabe a luta que é mantê-lo entusiasmado com os estudos.
Neste modelo educacional calcado na formação da mão de obra, nem sempre pais e alunos se deparam com momentos de criatividade das escolas.
Além disso, há toda a problemática do conflito de gerações, a falta de diálogo, mudanças de humores, enfim, uma turbulência emocional pela qual todas as famílias passam.
Sem fórmulas mágicas, cada um tenta educar da melhor foma possível. E nesta hora a ajuda do cinema e da literatura pode trazer novas maneiras de encarar os problemas, de nos inspirar.
Nesta crônica, Martha Medeiros relata a experiência de um pai que através da sétima arte trouxe o seu filho para mais perto de si.
O CLUBE DO FILME
Até poucos dias atrás, David Gilmour, para mim, era o guitarrista e vocalista do Pink Floyd. Foi quando entrou na minha vida outro David Gilmour, escritor canadense que acaba de lançar O Clube do Filme, um livro em que ele conta uma história real que aconteceu dentro de sua casa.
David tem um filho chamado Jesse. Pois Jesse, aos dezesseis anos, não queria nada com os estudos. Era inteligente, mas totalmente desmotivado.
Você conhece algum adolescente assim? Toque aqui. Mas duvido que você ou eu tivéssemos coragem de fazer o que o pai do Jesse, o David Gilmour escritor, fez.
Percebendo que o garoto não tinha a menor perspectiva de terminar o colégio sem levar várias bombas sequenciais, David propôs: “Se quiser largar a escola, largue. Mas em troca, você terá que ver três filmes por semana – indicados por mim e na minha companhia. Ou isso, ou nada feito”. O guri nem piscou. Topou no ato.
O pai então passou algumas noites em claro questionando sua própria atitude. Não estaria fazendo uma grande besteira? Temeu estar pavimentando o fracasso do filho, mas agora só restava ir adiante.
E esse “ir adiante” é que faz do livro um vício: não se consegue largar antes do
final.
Para quem gosta de cinema, é uma provocação. Simplesmente todos os filmes que vimos, e mais os que perdemos, são citados.
Dá vontade de ler o livro dentro de uma locadora e ir enchendo um carrinho de mão com
todos os DVDs disponíveis pra conferir cada cena que é comentada. Mas não se assuste: não é um livro para experts da sétima arte, dá pra ler sem ser um Rubens Ewald.
O bacana da história é a confirmação de algo que nós sabemos, mas nem sempre colocamos em prática: não se ajuda um filho a crescer por videoconferência, por relacionamento à distância.
É preciso tempo compartilhado. E Gilmour faz valer esse tempo: à medida que Marlon Brando, Clint Eastwood, Sharon Stone, John Travolta e James Dean entram na sala de casa, vai se abrindo o leque para conversas sobre namoradas, drogas, música, dores de cotovelo, medos, virilidade.
Não é um livro didático nem moralista, longe disso. É terno, verdadeiro, engraçado e dispensa um the end cinematográfico, ainda que tudo acabe bem.
É apenas a história de um pai que estava quase arrancando os cabelos por causa de um moleque indiferente com quem ele mal conseguia conversar, e que de repente arrisca uma via inusitada para se aproximar do guri e ajudá-lo a amadurecer.
Em todos os países em que o livro foi lançado, não houve uma debandada das escolas, portanto os professores podem respirar aliviados que os seus empregos estão garantidos.
Mas há que se reconhecer que é sempre empolgante a gente confirmar através da literatura e do cinema (e, por que não dizer, através de guitarristas como o outro David Gilmour, que nada tem a ver com essa história) que a arte não serve apenas para nos divertir nas horas de folga, mas também para nos preparar para a vida.
7 de junho de 2009
Martha Medeiros, crônica ” O Clube do Filme” no livro “Feliz por Nada”. Editora L&PM, 2011.