Paisagens. Aqui um lago. Ali um pôr-do-sol. A foto é a mesma. Mas quem garante que as paisagens das almas sejam as mesmas? Aquilo que sinto, vendo o lago e o pôr-do-sol, não é a mesma coisa que você sente vendo o mesmo lago e o mesmo pôr-do-sol. “O que sinto, a verdadeira substância com que o sinto, é absolutamente incomunicável; e quanto mais profundamente o sinto, tanto mais incomunicável é”, diz Bernardo Soares. As paisagens da alma não podem ser comunicadas. A alma é um segredo que não pode ser dito.
Por isso, quanto mais fundo entramos nas paisagens da alma, mais silenciosos ficamos. “Calamos”, diz Soror Juana, “não porque não tenhamos o que dizer, mas porque não sabemos como dizer tudo aquilo que gostaríamos de dizer”.
A solidão é para poucos. Ela não é democrática. São poucos os que a desejam. A maioria prefere a agitação das procissões, dos comícios, das praias, da torcida: lugares onde todos falam e ninguém ouve.
A plebe sempre odeia os solitários. Ela despreza os que andam na direção contrária. Os poetas não conseguem nem mesmo publicar os seus poemas. E, no entanto, segundo Goethe, juntamente com as crianças e os artistas, são eles, os poetas, aqueles que se encontram em harmonia com o indizível mistério da vida.
A plebe sempre condena a alma solitária ao exílio, por não suportar a diferença. Quão dolorido é o lamento de Zaratustra: “Onde subirei com o meu desejo? De todas as montanhas eu busco terras paternas e maternas.
Mas não encontrei um lar em lugar algum. Sou um fugitivo em todas as cidades, e uma partida em todas as portas. Os homens de hoje, para quem meu coração recentemente me levou, são-me estranhos e grotescos. Sou expulso de todas as terras paternas e maternas. Assim, eu agora amo somente a terra dos meus filhos, ainda não descoberta, no mar mais distante: e nesta direção enfuno as minhas velas…
Na gregariedade repetem-se os mundos velhos, carcomidos.
Na solidão se contempla o nascimento de novos mundos.
As montanhas, as florestas, os mares: cenários da alma. Há neles uma grande solidão.
E a solidão é dolorida. Mas há também uma grande beleza, pois é só na solidão que existe a possibilidade de comunhão. Assim, não tenha medo: “Foge para dentro da tua solidão. Sê como a árvore que ama com seus longos galhos: silenciosamente, escutando, ela se dependura sobre o mar…”
Rubem Alves, publicado originalmente na revista “Bons Fluídos”. 1.2.2002.
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