Uma história que trata da falta de empatia, da raiva quando as situações não acontecem do jeito que imaginamos.

O fato de remoer sentimentos, apegar-se à coisas e situações que não nos servem mais nos aprisiona ao passado de maneira doentia, nos tornando pesados demais para seguir em frente.

Quando abrimos as mãos, nós acolhemos para receber seja um pedido de ajuda ou apenas um carinho. Ao abrirmos as mãos, nós também deixamos fluir tudo o que passa nas nossas vidas. Boa reflexão!

Abrir as mãos

Dois monges caminhavam juntos na Índia antiga. Buda havia recomendado que fossem dois a dois para que não se desviassem do Caminho.

Chegaram à margem de um rio caudaloso. Quando estavam adentrando o rio, uma jovem se aproximou correndo, esbaforida, pedindo que a ajudassem a atravessar. Tratava-se de uma emergência. Precisava ir imediatamente. Caso de vida ou morte.

Um dos monges se recusou e atravessou o rio sozinho. O outro deu as mãos à jovem e a levou em segurança até a outra margem. Ali se despediram.

Os dois monges continuaram caminhando lado a lado. O que havia atravessado sozinho estava furioso. Passada mais de uma hora, o outro monge perguntou ao companheiro por que estava tão mal-humorado, e ele respondeu: “Você deu as mãos àquela jovem. Nossos preceitos monásticos nos proíbem de tocar uma mulher. Você não está envergonhado?”.

O outro monge respondeu prontamente: “Eu a ajudei e a deixei à margem do rio. Você a continua carregando até aqui”.

Muitas vezes assim o fazemos. Carregamos conosco nossos apegos e aflições. Nossos amores e aversões. A carga fica pesada e não conseguimos soltar, abrir mão.

Na época em que pratiquei no templo Hosshinji, na província de Fukui, descobri, certa manhã, que do outro lado do riacho havia uma casa parecida com um pequenino templo. Aproximei-me.

A senhora monja que dali cuidava me abriu as portas e explicou: “Aqui foi a pousada do grande Mestre Harada Sogaku Rôshi. Professor do atual abade de Hosshinji, Harada Sekken Rôshi, e do abade desse templo vizinho. Ambos irmãos do Darma. Ao envelhecer e se aposentar, Harada Rôshi veio morar aqui. Eu era sua assistente pessoal. Ele se foi, mas eu continuo servindo a ele. Todas as manhãs, sirvo o chá de que ele gostava, no horário em que estava acostumado”.

Aquela conversa me fez sentir um arrepio. A casa era mantida como se o mestre ainda estivesse vivo e por ali andasse, bebendo chá, comendo os alimentos e fazendo entrevistas individuais com os praticantes que o procuravam.

Acompanhada pela monja, visitei a morada. Estava intacta – e ela se orgulhava disso. Mantinha a casa em perfeito estado de limpeza e harmonia. Havia pouca luz e, naquela penumbra, parecia sentir a presença do mestre.

Ao sair da casa, ela me deu o ensinamento principal de Harada Rôshi, que até hoje transmito aos meus discípulos e discípulas: “Abra as mãos. Mantenha as mãos abertas e nelas caberá todo o universo. Um pequeno fio que segure, uma pedrinha, uma ideia, um conceito, e estará limitada. Abra as mãos e deixe que o universo as preencha com o tudo-nada”.

Saí de lá tendo a certeza de que encontrara Harada Rôshi e, como se diz nas preces que fazemos para monges e monjas falecidos, repeti mentalmente: “O verdadeiro corpo dos ensinamentos não aparece nem desaparece”.

Assim, novamente me comprometi a levar adiante os ensinamentos de Buda para que todas as pessoas possam se libertar dos apegos e das paixões mundanas e encontrar a grande felicidade.

Monja Coen, “Abrir as mãos” do livro “A Sabedoria da transformação” Editora Planeta, São Paulo, 2014






Viver em harmonia é possível quando abrimos o coração e a mente para empatia e o amor.